instituto projetos ambientais, em revista

ENTREVISTA - O projeto 'Pro-Civitas' em matéria exclusiva, destacando a autonomia e auto-organização nos ecossistemas humanos



Série Cidades - Presidente da 'Pro-Civitas' mostra experiência e persistência para o sucesso em projetos




Nesta oportunidade o Blog Projetos Ambientais recebe Juliana Renault Vaz - após conhecê-la virtualmente e pela entrevista de sucesso cedida a TV Cultura, em que fala da experiência de um projeto urbano na capital Belo Horizonte – especialmente com ações ambientais nos Bairros São José e São Luís. Juliana é presidente da Pro-Civitas - entidade criada a partir da organização voluntária dos moradores dos bairros, que versa sobre a defesa do patrimônio, do meio ambiente e pela qualidade de vida. Seja bem-vinda ao Blog Projetos Ambientais!

Projetos Ambientais:
Olá Juliana, obrigado por ter aceitado o convite; o Blog Projetos Ambientais tem o objetivo de traduzir ideias e sobre projetos voltados às ciências ambientais para profissionais e interessados. Assim, podemos considerar a criação da Pro-Civitas um projeto? Fale-nos sobre essa ideia.

Juliana Renault Vaz:
Sim. Acredito que, por trás de uma “criação”, há sempre um objetivo, um plano, que são o mesmo que um projeto. Os moradores que se mobilizaram inicialmente estavam preocupados com a visível deterioração dos bairros e de seu entorno, e objetivavam tentar impedir ou ao menos dificultar e minorar a especulação imobiliária, que se traduz em perda de qualidade de vida e dano à cidade.

Projetos Ambientais:
Ou seja, a Pro-Civitas é uma entidade voltada às premissas de monitorar a urbanização desta região (bairros São Luís e São José) de Belo Horizonte? Como funciona a operacionalização do projeto de vocês.

Juliana Renault Vaz:
Sim. Hoje mais organizados, temos diretorias que tratam de assuntos separados, e uma sede com uma secretária. Nossa sede funciona como uma “central”, que recebe informações dos moradores acerca de problemas por eles enfrentados com relação a obras, falhas na administração pública, desrespeito a legislações de trânsito, buracos nas ruas, falta de segurança, enfim, tudo! E nós os repassamos aos órgãos cujas incumbências são resolvê-los, muitas vezes através da Secretaria Municipal Regional da Pampulha, para buscarmos as soluções e viabilizá-las.

Projetos Ambientais:
É muito interessante quando a sociedade se organiza em prol da qualidade de vida, e não apenas esperar a representação do poder público nas intervenções urbanas. Todavia, a prefeitura tem obrigações intransferíveis; como se dá a relação da Pro-Civitas com o governo municipal e até que ponto esta organização se mantém independente nas suas ideias, e no cumprimento dos instrumentos de gestão urbana, como é o caso do plano diretor?

Juliana Renault Vaz:
A relação da Pro-Civitas com o governo municipal (e estadual) é completamente independente, e a mais cordial possível, variando muito conforme seus administradores, sejam eles prefeito, secretários ou gerentes de áreas específicas, promotores estaduais, etc. Entretanto, nossa política ainda tem muito o que evoluir, pois apenas engatinhamos no exercício de uma verdadeira democracia. Explico melhor: a) Nossa população é ainda muito alheia à participação na política dos governos (seja pela história relativamente recente da democracia, ou pelo limite desestimulante do alcance desse exercício de cidadania, ou até mesmo por sua limitação – formação cultural, disponibilidade de tempo, etc); e, b) Nossos políticos ainda não assimilaram bem o que é uma verdadeira democracia (na minha opinião). Depois de oito anos de experiência em meu trabalho, percebo claramente a falta de consideração dos políticos com a população – muitos ainda vivem os resquícios de autoritarismo, coronelismo, “politicagem”, vividos desde nossa época de colonialismo, preterindo reais interesses, necessidades e reivindicações do coletivo, da população que representam. E desempenhando suas funções sem diálogo e proximidade com seus representados. Em Belo Horizonte, por exemplo, o transporte público de qualidade é assunto absolutamente preterido.

Com relação à Pampulha, atualmente percebemos uma diminuição na autonomia da Regional e uma piora na qualidade dos serviços prestados, em limpeza pública (reciclagem é assunto sobre o qual nem se discute, campanhas de limpeza inexistem), controle de zoonoses, fiscalização de obras, poluição sonora; Mato cresce nas ruas e o assoreamento e poluição da lagoa aumentam assustadoramente. Imaginem a quantidade de reclamações recebidas por nós diariamente! E o quanto trabalhamos para tentar encontrar meios de cobrar dos responsáveis a solução exigida...

Temos recorrido ao Ministério Público e à Justiça, numa tentativa de conseguirmos defender nossos interesses, mas há que se ter muita perseverança e apoio da imprensa para que alguns pequenos progressos sejam alcançados. Os poderes não são totalmente independentes e colecionamos muitas frustrações, infelizmente, apesar de muito trabalho, vocês não imaginam.

Projetos Ambientais:
Para tanto, a sua formação ou da equipe da Pro-Civitas se relaciona com o ideario do projeto; ou vocês são moradores organizadores e quando necessário buscam consultorias? Enfim, nos explique melhor sobre a exeqüibilidade da questões, neste tempo de existência da Pro-Civitas (2003)?

Juliana Renault Vaz:
Essa é uma boa pergunta!!

Todo começo é muito difícil, principalmente quando se têm políticos que são, de certa forma, muito arrogantes (justifico o que digo, para evitar julgamento equivocado de minha afirmativa: colecionamos DEZENAS de cartas protocoladas e mensagens eletrônicas enviadas, a executivo ou legislativo, para as quais JAMAIS recebemos sequer uma resposta. Lógico que há exceções, (mas falo do geral) e não estão acostumados a atender ou a dar uma satisfação àqueles que os elegeram.

Logo na época de sua criação, a associação (pro-civitas) participou da “Conferência Municipal de Políticas Urbanas”, cujas discussões, já avançadas, aconteciam havia algum tempo. Contatamos então um doutor em Urbanismo de São Paulo sobre quem eventualmente líamos em jornais de SP, diretor de um escritório freqüentemente contratado pelo município para projetar difíceis soluções urbanísticas para a cidade (autor de livros, ex-secretário municipal de planejamento urbano, professor da USP, e também membro de associação de bairro), que, apesar de sua vasta experiência e grande reputação, aceitou nosso convite para visitar e opinar sobre a Pampulha. A partir de sua opinião, e tentando priorizar a manutenção da qualidade de vida dos moradores, defendemos os interesses de nossos representados na Conferência, mas eles não foram sequer considerados pelo Poder Público.

Na Conferência seguinte, para cuja eleição de delegados houve um grande tumulto promovido por um movimento de “sem-terras”, e em julho de 2010 o atual prefeito de Belo Horizonte sancionou uma lei que contraria, em muito, nossos interesses, retirando lotes e partes de quadras da Área de Diretrizes Especiais (já não tão “especiais” assim depois das mudanças da Conferência anterior). Desde sua posse tentamos agendar uma reunião com ele, mas ainda não conseguimos ser recebidos por nosso prefeito.

Há professores da UFMG que nos assessoram, pontualmente, em assuntos em que são especialistas (limnologia, poluição sonora, urbanismo), e outros profissionais que fazem parte da associação (segurança, trânsito, educação, marketing, informática, área jurídica, etc.) também nos ajudam quando podem.

Projetos Ambientais:
Como você (s) pensa (m) o processo de metropolização das cidades? Os complexos problemas urbanos podem ter soluções sustentáveis como é o caso dos bairros que estamos falando e de sua atuação? O quão difícil é essa relação teórico-prática entre a idéia no papel (a ideia/as reuniões) e as ações?

Juliana Renault Vaz:
Acredito que sim, mas estamos absurdamente distantes do alcance desse tipo de meta (a Sustentabilidade). Julgo-a de extrema importância, mas as prioridades são tantas e suas exeqüibilidades tão lentas, que não consigo antever quando começaremos a levá-la em conta.

Apenas como exemplo, cito a questão da coleta seletiva, que considero enorme prioridade e algo de facílima implementação, com benefícios grandes e rápidos para a cidade. O que tem sido feito em Belo Horizonte nesse sentido? A Pampulha tem caminhão e funcionários ociosos, com moradores pleiteando a coleta, além de cooperativas (mais de uma) próximas, e sequer consegue ser atendida nisto! Difícil crer, não acha?

Projetos Ambientais:
Buscando outro ponto de vista, a gestão de um bairro dirigida por seus moradores, ou seja, sua independência em termos de limites aos bairros circunvizinhos, não os torna restritos em termos de socialização? - O que se quer dizer é que os postulados construtivos-sustentáveis preconizam o fundamento “sem muros” – ou seja, cada vez que se fecha mais a moradia, mais distante se está do grupo humano. Como acontece na sua experiência?

Juliana Renault Vaz:
Vejo aí duas perguntas diferentes. Responderei ao que entendi:

Minha experiência com relação aos limites com os bairros circunvizinhos é ótima, e essa foi sempre uma grande preocupação da Pro-Civitas: expandir o alcance de seu trabalho unindo forças com moradores próximos ou até mesmo distantes de nossa área de atuação. E essa relação foi sempre muito gratificante. O prof. Cândido Malta (urbanista de SP que mencionei anteriormente) fundou o chamado “Movimento Defenda SP”, e sonhava expandí-lo. À época de sua vinda a BH, iniciamos o “Movimento Defenda BH”, e mais de 50 associações de bairros de nossa cidade se reuniam, com certa regularidade, para discutir problemas, soluções e reivindicar, com mais força, a atenção do Poder Público aos pleitos apresentados.

Foi incrível constatar que, apesar das diferentes características de cada bairro e de seus moradores (geográficas, custo de lotes, nível social, localização, etc.), os problemas eram parecidos e as reivindicações similares. E as queixas contra alguns representantes do executivo e do legislativo, idênticas!

Infelizmente, deixamos o movimento enfraquecer, mas precisamos voltar ao trabalho juntos porque não há dúvida sobre o quanto é verdadeira a afirmação de que “A UNIÃO FAZ A FORÇA”.

Com relação ao “fechar a moradia”, aprendemos com os urbanistas sobre a importância dos espaços públicos de convivência. Mas, acho que a questão da segurança é um problema que dificulta essa utilização dos espaços públicos, além da inexistência da manutenção regular necessária para que eles sejam atraentes (cuidados, limpeza, etc), e da mudança dos hábitos das pessoas nos últimos tempos (a arquitetura tem projetado residências que fazem com que os moradores se isolem da convivência externa)

Projetos Ambientais:
É engano, ou em sua entrevista (a da TV Cultura) faz colocações sobre o urbano e o desenvolvimento sustentável? Como as moradias de seus (na dimensão da Pro-Civitas) bairros se relacionam com preceitos ecológicos – em termos de água, energia, lixo, outros. (o processo de adaptação, da consciência ambiental)

Juliana Renault Vaz:
Acho que infinitamente mais atrasada do que sonhamos alcançar. Essa consciência tem que ser trabalhada; é uma questão meio cultural, de educação, e estamos muito atrás de outros países. O governo deve ter uma participação grande nesse trabalho, exigindo, educando, punindo, promovendo campanhas, etc. Percebo uma evolução significativa no material didático utilizado pelas escolas hoje, se compararmos a dez anos atrás, apenas. Mas, muito mais nos livros do que no dia-a-dia das escolas, pois não as vejo se comportando como modelos, nem dando o esperado exemplo, nem exigindo, nem punindo (palavra tão temida hoje por causa de implicações jurídicas...). Temos uma parceria com as escolas dos bairros, mas a continuidade de esforços se interrompe. Há que se trabalhar mais isso aí!

Projetos Ambientais:
O que mudou do ponto de vista técnico, em seus pensamentos, de antes e após esta experiência em participar de um grupo que se organizou para melhorar a qualidade de vida e do ambiente de sua região? Há um resgate aí implícito do conceito de cidadania (?), do postulado de que meio ambiente é sair do “eu” para o “nós”, e que os conflitos entre moradores só trazem mais conflitos - enfim, conte para nossos leitores sobre as respostas desta experiência positiva.

Juliana Renault Vaz:
Bem, sobre o ponto de vista técnico, posso dizer que havia uma certa insegurança dos representantes da Pro-Civitas com relação ao que seria o correto para todos os cidadãos de Belo Horizonte, e se a conservação do ambiente e da qualidade de vida de nossa região era um trabalho egoísta ou radical, pois ainda é o que se ouve de alguns servidores municipais e/ou moradores de outras partes de cidade (que hoje acreditamos fazer parte de grupos com interesses econômicos na nossa região).

Mas, após tantos anos de vivência nesse meio, convivendo com líderes comunitários de tantas regiões da cidade, de SP, com políticos, participando de conferências, debates, reuniões, participando de seminários sobre urbanismo, viajando, conclui-se que Belo Horizonte sofre as conseqüências da total falta de planejamento sério, para um longo prazo, e que a mobilidade urbana está se inviabilizando em algumas partes de nossa cidade.

Discordo de sua afirmativa de que “os conflitos entre moradores só trazem mais conflitos”, pois qualquer morador que perceba que se faz um trabalho sério, com planejamento para atender as necessidades do coletivo e melhorar a cidade, fica muito feliz com essa iniciativa (principalmente porque não estamos acostumados a ver isto).

Com relação ao resgate da cidadania, considero esse processo lento, talvez mais ainda entre os mineiros, desconfiados e comodistas. A Pro-Civitas, entretanto, gradualmente ganha a confiança dos moradores que representa, pois se esforça para atendê-los sempre!

Nota do Blog: Em Planejamento Ambiental, área da ciência que atua em regiões com mínima ou nenhuma interferência antrópica, há a preposição de que os conflitos são bons, podendo surgir como caminhos para soluções e tomadas de decisões.

Projetos Ambientais:
Em sua opinião onde reside a ineficácia do poder público no desenvolvimento sustentável local (quanto ao urbano). Ou você considera o governo municipal sempre eficiente (no caso do seu projeto)?

Juliana Renault Vaz:
Não. São vários os pontos onde reside a ineficácia do poder público. Listo os principais:

a) Troca de equipes de trabalho a cada 4 anos, o que causa a perda da continuidade dos trabalhos. Há ainda grande ”politicagem” para ocupar os cargos, loteados por políticos e partidos que, em sua maioria, desconhecem a região, seus problemas, o cargo que ocuparão e mesmo as tarefas que desempenharão. Começando por aí, quais as reais chances de um trabalho profícuo?

b) Os políticos tentam (nem sempre) trabalhar um consenso de interesses. Na maioria das vezes, o econômico tem prevalecido. A especulação imobiliária é a grande vilã das cidades no Brasil, e traz, em seguida, a degradação dos locais por onde ela passou... Portanto, há que se ouvir o que querem construtores, comerciantes e também moradores, mas há que se planejar a cidade com arquitetos urbanistas, técnicos em tráfego, esgotamento sanitário, mobilidade, etc.

c) Especificamente no caso da Pampulha, infelizmente temos visto pouca eficiência: o problema da lagoa só se agravou, e muito, nos últimos 8 anos; lutamos com poluição sonora, fiscalização de obras, etc.

A presidente da Pro-Civitas Juliana Renault Vaz - formada em administração de empresas com êfanse em comércio exterior, se despede,
A Pro-Civitas e os moradores que representa agradecemos pela oportunidade de participarmos de seu importante trabalho. Estamos à disposição, e fazemos votos de que seus leitores nos ajudem na divulgação do trabalho da associação, e a expandir seu alcance, seja na conscientização dos cidadãos, seja na conquista de parceiros, enfim, propagando o bem e a qualidade de vida do belo horizontino.  Um abraço!

Para saber mais sobre o Projeto 'Pro-Civitas' é só clicar:



Iate clube e cassino da Pampulha


Formato original da Lagoa da Pampulha, região onde atua a Associação Pro-Civitas

Nota do blog: O conjunto arquitetônico da Lagoa da Pampulha é de autoria de Oscar Niemeyer, tendo se tornado referência para a Arquitetura Moderna Brasileira. 

Entrevista realizada por e-mail, período maio/junho de 2011

Crédito da foto 1: http://www.arquiteturamodernacapixaba.hpg.ig.com.br/introd-AMB.html (croqui geral da Pampulha)
Crédito da foto 3: fotos de Bruno BHZ (2002) em skyscrapercity